segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O vício que dói no ouvido

É preciso cuidado para não repetir termos a todo momento nem tomar, por preciosismo, qualquer expressão como viciosa


Leonardo Fuhrmann

A repetição crônica de palavras ou expressões mudou de status. Parte dos cientistas da linguagem deixou de usar o termo "vício" para condenar o uso exaustivo dos cacoetes, que parecem empestar de ruído a comunicação cotidiana, principalmente a oral. Em seu lugar, apontam para uma mudança de atitude do falante.

Vício é comportamento. Afinal, o uso repetitivo dessas muletas da fala cotidiana, clichês usados independentemente do contexto em que são pronunciados, tende a incomodar o ouvinte e a desvalorizar o conteúdo do que está sendo dito. Mas, como numa dependência de cigarros, não são fáceis de largar.

A gramática normativa tradicional usa a classificação de vício para agrupar diversos fenômenos diferentes, considerados desvios em relação ao padrão culto da língua, como por exemplo:

- Arcaísmo - uso de termos antiquados ("Encontre, por obséquio, minhas chaves");

- Ambiguidade - quando o sentido não fica claro, com enunciado com mais de um sentido ("O pai o filho adora" = quem adora quem?);

- Barbarismos - erros no uso das palavras: de pronúncia, grafia, morfologia, semântica e de estrangeirismos ("framengo", "sombrancelha", sale em vez de "à venda").

- Cacófato - sequência de palavras que provoca o som de uma expressão ridícula ou obscena ("Por razões de Estado");

- Colisão e hiato - proximidade ou repetição, respectivamente, de consoantes e vogais iguais em uma sequência ("O salário da secretária sempre será pago na sexta-feira").

- Eco - repetição da mesma terminação em prosa ("O acesso dado ao processo do réu confesso foi um retrocesso jurídico");

- Preciosismo - linguagem pretensamente culta;

- Plebeísmo - uso de gírias ou termos que demonstram falta de instrução ("tipo assim", "a nível de");

- Tautologia - repetição desnecessária de ideia ("Iphan restaura velho casarão"; "Governo cria novos empregos") ou termo já pronunciado (subir para cima, surpresa inesperada, acabamento final);

- Solecismo - desvios na construção sintática, de concordância, regência e colocação ("Viajar anexo", no sentido de viajar "ao lado de alguém"; "Fazem dias que viajei" contém erro de concordância);

Classificações como essa começam a ser, cada vez mais e por mais especialistas, consideradas insatisfatórias. Professor da Faculdade de Educação da USP, especializado nas relações entre linguagem e inconsciente, Claudemir Belintane é contrário à condenação sumária de usos apontados como vícios de linguagem, pois acredita que a própria classificação é ela mesma viciosa, por ser arcaica e tratar-se de preciosismo, características tradicionalmente classificáveis como muletas da comunicação oral. Essas tipificações condenam as expressões isoladas, independentemente do contexto. Mas um pleonasmo, bem usado, dá força a um enunciado e não se torna mera tautologia, como em Augusto dos Anjos: "As minhas roupas, quero até rompê-las".

Gagueira
Belintane diz que é preciso encontrar as causas e relações mais profundas no emprego de certas gírias crônicas, e não condenar de antemão o uso das expressões em si.

- No caso dos adolescentes, se o falante não expande sua fala e se prende à gíria, o problema é estudar o porquê dessa não expansão e não apenas pôr a culpa na expressão em si. A expressão é o que aparece ali. Por detrás dela estão outros motivos de natureza sociopsíquica - explica.

Além de termos típicos dos adolescentes, o específico morador de grandes centros urbanos, Belintane aponta o uso de termos populares (como o "entende?", "veja bem!" e "como eu estava falando"), que, na fala pública, acabam por incomodar quando usados de forma muito repetitiva.

- Aí estamos diante é de uma "gagueira" que a repetição excessiva pode causar e, com isso, truncar ou simplificar a expressão - afirma.

A recomendação de Belintane a quem deseja evitar o chamado vício de linguagem passaria pela atenção redobrada à própria fala, aquele tomar cuidado de não transformar as expressões que usamos em clichês. Não seria necessariamente, "tipo assim", "meio que" uma liberação para o uso de expressões até pouco tempo condenadas como algo que não deveria ser dito em situação alguma (como, em tese, faz a gramática normativa tradicional). A ideia é: preste atenção aos termos que você usa no dia a dia, para não usá-los de maneira repetitiva e a destoar do contexto em que são empregadas.



O rei Pelé conhecido pelo uso vicioso de "entende" em suas frases: fenômeno universal
Sem controle
Como ocorre com dependentes químicos, o esforço deliberado e racional para livrar-se de um vício de linguagem nem sempre se revela suficiente de imediato. Para o filólogo Valter Kehdi, professor aposentado da USP, expressões são petrificadas na linguagem de pessoas que as usam a esmo, inconscientemente, mas a recorrência crônica a clichês seria provocada pela dificuldade de o falante construir conexões, de estabelecer a passagem entre um raciocínio e outro, uma sentença e outra, o que se pensa e é efetivamente dito.

- Há pessoas que usam, por exemplo, o adjetivo "formidável" em excesso. Qualquer coisa para elas é formidável - afirma.
Para o professor Kehdi, quem quer evitar vícios de linguagem deve observar não só o emprego insistente e enfadonho dos termos que utiliza como atentar para a própria falta de imaginação nas construções e no uso do vocabulário.

Mestre em linguística pela USP e coautor do material didático de português do sistema Anglo de ensino, Eduardo Antonio Lopes afirma que o uso mecânico de termos inadequados ou fora de contexto não é mazela exclusiva de quem não teve boa formação cultural e linguística.

- Se um advogado bem formado usar a expressão "data vênia" em uma conversa fora dos tribunais, vai soar pedante e inadequado. A impressão do ouvinte é que ele não tem domínio sobre os recursos de linguagem, mesmo que banque o erudito. É uma falta de controle no uso da linguagem - exemplifica.

Lopes insiste em que a falha contida no chamado vício de linguagem está em quem usa um termo sem qualquer reflexão, automaticamente. O uso abusivo e estereotipado de uma expressão reforçaria aspectos negativos da forma de falar de uma pessoa. É o caso do já clássico "entende?", marca do fim das frases pronunciadas pelo ex-jogador Pelé.

- É como alguém usar a expressão "câmbio", comum nas conversas de rádio, em diálogos fora deste meio - compara.

A dica de Lopes é que a linguagem seja usada com os objetivos de fazer-se entender e de transmitir aos outros a imagem que você quer que eles tenham de você.

Fala e escrita
Kehdi, por sua vez, explica que o uso vicioso de certos termos, como "a nível de", é mais comum na linguagem falada porque esse tipo de discurso tende a ser mais improvisado do que o escrito, em que o usuário da língua se preocupa com a forma e pode se dar ao cuidado de reler o texto em busca de falhas, substituindo termos mal usados ou repetidos desnecessariamente.

Além disso, a mensagem em um escrito só é transmitida pelas palavras, o que exige precisão de uso. Há textos do Fernando Pessoa e do Machado de Assis, diz Kehdi, em que as palavras são suficientes para deixar clara a ironia. Já no discurso falado as expressões faciais e corporais e a entonação também servem para reforçar o tom irônico de uma fala.

Segundo o professor, a discrepância entre fala e escrita seria a razão pela qual não há regra objetiva de combate ao uso de clichês e vícios. O que é racionalmente controlável, ao papel, não o é tanto, ao pé do ouvido. A solução é prestar atenção à própria maneira de falar, com espírito atento à redundância crônica, e fazer autopoliciamento para evitar o uso excessivo de certas expressões.

Um exercício de autocontrole verbal pode ser o de habituar-se a caracterizar expressões de uso crônico, substantivando-as. Eduardo Lopes cita o exemplo do "tipo assim", comum entre jovens menos articulados, já usado de forma deliberada por quem deseja comunicar-se com a "tribo" adolescente.

- O uso da expressão carrega todo o prestígio ou desprestígio do grupo que o fala. Mas isso não impede que um interlocutor passe a usar esse termo no meio de uma palestra com adolescentes como uma forma de se mostrar mais próximo deles. Essa é a diferença de se ter um objetivo ao escolher as palavras - diz.

O uso calculado de um termo, em situações do gênero, poria a mente em alerta para expressões viciadas. Mas, segundo Belintane, esse "uso inteligente" do vício também está relacionado à capacidade de calibrar a linguagem à situação comunicativa. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria, para o professor, exemplo notável de que é possível manter e até ressaltar o talento discursivo mesmo com uso repetitivo de termos considerados viciosos.

- O discurso adequado é o discurso eficiente, que faz laço social, e o dele, com certeza, faz. O discurso ruim é aquela falação narcísica que se preocupa mais em polir a expressão do que transmitir uma mensagem com clareza. Um bom falante é aquele que se preocupa com a sua expressão, com os efeitos estéticos que consegue imprimir à fala e à escrita, mas sem ceder ao preciosismo ou ao arcaísmo das normas - diz.

Belintane considera que é sempre interessante ouvir quem circula bem por diferentes normas da língua.
- Um conferencista que, no meio de suas reflexões, faz questão de buscar na memória toda a potência de sua regionalidade, não só da cultura, mas das próprias variações que a língua experimenta em sua cidade natal; a companhia de pessoas assim é bem recomendável e pouco viciosa - observa o professor da USP.

Na compreensão do que seja um vício, os especialistas apressam-se em distinguir o fenômeno de outros que pareçam seus semelhantes. Eduardo Lopes, por exemplo, defende que a intenção pode ser um fator importante até para quem usa clichês ou bordões.

- O apresentador Chacrinha, um dos maiores comunicadores do país, criou bordões que estão até hoje na memória das pessoas. O colunista Zé Simão, da Folha de S. Paulo e da BandNews FM, usa diversas expressões, que viraram suas marcas. Assim também personagens de TV ficam marcados na memória das pessoas por conta de bordões - avalia.

Já o filólogo Valter Kehdi lembra das marcações repetitivas próprias ao meio em que uma comunicação é realizada. Cita conversas por telefone recheadas de expressões que acabam tendo uma função apenas no contexto específico do meio em que ocorrem. Muitas vezes, diz Kehdi, o interlocutor reage do outro lado da linha dizendo "sim" ou "sei" diversas vezes. Para o filólogo, esse interlocutor não está mostrando que concorda ou já conhece o assunto tratado, mas sinaliza que permanece em linha, ouvindo o que está sendo dito. A mesma reação, se usada de maneira tão repetitiva em uma conversa ao vivo, se tornaria estranha ou inadequada. A função do uso desses termos tem relação direta com o meio escolhido para a conversa.

Kehdi chama a atenção para as expressões que aparentemente não têm qualquer significado numa sentença e que na verdade podem servir para destacar parte do discurso ou reforçar um significado, em especial na linguagem falada. Aquilo que, no começo do século passado, o filólogo Manuel Said Ali Ida chamava de "expressões de situação".

- Em alguns casos, há uma elipse psicológica no discurso. Assim, na fala, o "mas" pode significar "mas como você soube disso?" ou o "agora" substitui o "a partir de agora" ou o "como vão ficar as coisas agora" e o "então" para dizer "então, como foi de viagem?".

Hipercorreção
Segundo ele, expressões como essas não podem ser consideradas erros nem vícios, pois têm uma função conativa (dá uma orientação ao destinatário). Para Kehdi, nenhuma função da linguagem existe separadamente ou em estado puro. É importante perceber que não só expressões de situação se tornam clichês.


Há as implicações éticas de um vício. Preocupadas em evitar o uso excessivo e desnecessário do gerúndio, conhecida como endorreia, muitos passam a evitar o uso dessa forma nominal do verbo mesmo quando é a mais adequada para apresentar uma ideia. Segundo Eduardo Lopes, mesmo quando sabem que a construção está correta, muitos interlocutores a evitam para não dar ao ouvinte a impressão de que houve má aplicação.

Lopes cita um exemplo da própria entrevista para mostrar o problema.

- Pedi a você que me ligasse após as 18 horas porque, das 16 horas às 17h30, eu estaria participando de uma reunião. Para dizer "estarei participando", o falante acaba deixando bem clara a ideia de gerúndio e, assim, mostra que a forma verbal não foi usada de forma inadequada na conversa. Acabei deixando claro o tempo da reunião para comprovar a necessidade do gerúndio - explica.

O gerúndio é usado para uma ação que percorre determinado espaço de tempo. Para Lopes, as críticas comuns a expressões inadequadas como "vamos estar enviando" acabam provocando temor, o que leva a uma hipercorreção - corrigir o que se considera erro mesmo quando não há erro. Tal atitude é ela mesma viciosa. Eduardo Lopes afirma que muitas formas consagradas passaram a ser discutidas também por causa dessa preocupação.

- Começou uma discussão se o correto é "risco de vida", como sempre se falou, ou "risco de morte". Mas você também diz que a "febre subiu" quando na verdade foi a temperatura que subiu e responde "tudo" quando alguém lhe pergunta se está "tudo bem" - explica Lopes.

Enrijecer um comportamento, mesmo o que se pretende corretivo, pode ser um erro de português tão grave quanto o próprio vício que se quis corrigir.

Revista Língua Portuguesa. Ano 3. Nº 43. Maio de 2009. Editora Segmento. p. 28-32.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

As línguas faladas em Português e o ensino de língua materna no Brasil


Edson Gomes Evangelista
Maria Rosalina Alves Arantes
Cleide Larini Rodrigues Ávila
Ângela Claudia Dias Domingues
Solange Benetti

A partir do documentário “Língua, vidas em português”, de Victor Lopes, somos convidados a refletir sobre a diversidade de línguas que se faz presente na Língua Portuguesa, em um contexto histórico, geográfico e cultural. Filmado em vários países, como Portugal, Moçambique, Índia, Brasil, Japão, o documentário aborda de modo bastante relevante histórias em Língua Portuguesa, a permanência e as transformações sofridas por esta língua.
Um dos protagonistas, José Saramago, enfatiza que, a rigor, não existe uma Língua Portuguesa, mas línguas faladas em português. A afirmação do escritor português se confirma, por exemplo, na fala de Dinho, adolescente moçambicano, cujo maior sonho é migrar-se para os Estados Unidos e que, ao se referir à gravidez da namorada adolescente, no momento em que diz “plantei uma árvore sem ter água pra regar”, nos mostra o quão relacionadas estão as questões culturais com a língua.
Atravessados que estamos pela nossa historicidade, presentifica-se em nós uma série de expressões, preceitos e/ou conceitos ideológicos. Expomos, através da linguagem, como somos sujeitos desoriginalizados, com pretensão à originalidade, porque participamos de uma cultura empírica, que é reflexo do que somos, de onde viemos e do grupo ao qual pertencemos. Martinho da Vila expõe claramente essa ideia ao dizer que o que faz a memória é a palavra.
Partindo desse pressuposto, o que se questiona aqui é como ensinar a língua nesse contexto pós-moderno? Como o sujeito escritor se configura na literatura? Somos impelidos a elaborar critérios de uso da expressão linguística, porque somos professores. Entretanto, justamente porque o somos, há que se dispor de uma relatividade na postura que assumimos. Assim, considerar a historicidade do sujeito-aluno é o pressuposto que deve imperar no ensino de “línguas”.
Na contemporaneidade, quiçá sejamos instados todos os dias pelos brados daqueles que tomamos por educandos: “deem-me água. Reguem os meus sonhos, ajudem-me a torná-los projetos. Preciso vislumbrar um lugar, onde um outro eu seja possível”. Portanto, trabalhar a Língua como algo exógeno, estranho aos usuários que a realizam e que por meio dela se realizam é, de certo modo, negar-lhes peremptoriamente o direito de ser, como Saramago outra vez nos diz em: “é impossível não pertencer à Língua que se aprende”. Afinal, pós-moderno é o sujeito único e múltiplo a um só tempo, cuja memória, identidade e cultura não se fazem antes, tampouco depois, mas no bojo da língua prenhe de histórias, subjetividades, angústias, desejos, frustrações, realizações. É como dissera Mia Couto: “No fundo, não estás a viajar por lugares, mas sim por pessoas”.

MEU MEMORIAL DE LEITURA

Minha história de leitura é perpassada por diversas nuances.
Faço desta história o meu caminho de construção de sentidos.
Lembrando sempre que há silenciamentos que significam.
E há o dito que constrói ou não.
Professora Maria Rosalina

É interessante e revigorante lembrar-me de como foi meu primeiro contato com as letras. Pra começar, sempre fui fascinada pela leitura, desde cedo fui curiosa e ficava à espreita dos mais velhos em casa em busca de pistas que me levassem a decifrar os códigos linguísticos. Somos cinco filhos em casa, sou a penúltima destes, e meu irmão, que veio antes de mim (mais velho que eu) colecionava gibis do Tarzan, do Fantasma, dos heróis da Marvel, Tex, Zagor, além dos personagens da Disney (Pato Donald, Tio Patinhas...) e muito mais! Ele tinha uma caixa de papelão de mais ou menos uns 80 cm de diâmetro, repleta deles! E, de tanto folheá-los e observar a leitura do meu irmão, aprendi a ler sozinha.
Recordo-me de que, já aos cinco, seis anos de idade, minha mãe nos delegava tarefas domésticas, como varrer a casa, lavar a louça; e, enquanto fazia isso, eu me escondia nos cantinhos dos cômodos, com um gibi nas mãos para lê-los, esquecida da vassoura, ou apoiada nela... Isso me levou a adiantar na escola, quando lá entrei, detectaram que eu já sabia ler. Por isso, fiz um teste e fui pra 2ª série.
Já mais velha, na minha adolescência, os moldes em que a escola se encontrava não me estimularam a continuar esse processo, tanto que, apesar de continuar lendo, não tive tanto sucesso nas línguas e, por incrível que possa parecer, era melhor em matemática que em português da 5ª a 8ª série. Mesmo assim, lia os livretos típicos da fase: Bianca, Sabrina, Júlia e as revistas de fotonovelas (quanto romance, quantos devaneios estas leituras não provocaram em nós!). Havia uma amiga que tinha uma coleção das biancas, sabrinas e julias... Extasiávamos com essas leituras. Meu pai era leitor assíduo: tinha a coleção completa de Jorge Amado. Lembro de um dos livros: Gabriela, Cravo e Canela...
De minha casa, somente eu prossegui nos estudos. Minha mãe estudou muito pouco, só tinha a 2ª série, mas sempre nos incentivou a estudar, além disso, trabalhava em Educação e sabia da importância que isso tinha. Tanto que, antes de se aposentar, voltou à escola e concluiu o Ensino Médio, aposentando-se, assim, com um salário melhor.
Meu processo de leitura, ou letramento, continuou no magistério, quando já me via dando aulas. Com 17 anos comecei a trabalhar como professora na rede privada. Lia muitos teóricos, como Paulo Freire, por exemplo.
Com 18 anos, tive meu primeiro filho, Caíque. Com ele aprendi a contar histórias, coisa que eu não tive na infância, mas me lembro de mamãe ensinando-nos todas as brincadeiras possíveis próprias do tempo de criança dela, como fazer quadrinhas nas brincadeiras de roda, pular corda, caí no poço, esconde-esconde..., e já adulta percebi o quão importante foi tudo isso (mal sabia ela que estava me envolvendo numa rede de letramentos).
Ingressei na faculdade com 24 anos e meio. E não parava mais de ler, pois quem faz Letras está sujeito a se deparar com leituras diversas, as letras se embaralham e se confluem na cabeça do letrado. Não saía da biblioteca da universidade, li os que me impuseram, os que me instigaram a ler e os que me fascinaram... Passeavam em mim clarices, drummonds, Guimarães roseanos, o lirismo camoniano, as literaturas épicas que marcaram toda arte ocidental: Odisséia, Ilíada... Ah, a dramaturgia grega com Sófocles e outros mais. O lirismo de Fernando Pessoa e sua genialidade transportada por heterônimos e por ele mesmo. A literatura inglesa, com o querido professor Fábio. A literatura latina, com Madalena Machado, a literatura brasileira, com José Pereira, e as literaturas infanto-juvenis, que encanto, apresentadas pela professora Maria Inês Parolin. Que saudades daqueles delírios fagueiros fustigados pelas literaturas!!!
Com o tempo, enredei-me pela leitura das análises linguísticas, com a Análise do Discurso descobri os sentidos do silêncio... E tanto que finalizei o curso decidida a encontrar uma confluência entre esses sentidos e a literatura. Foi quando me foram apresentados os livros de Francisco José Costa Dantas. A princípio, li Os Desvalidos, não contente, parti para Coivara da Memória, e, por fim, li sua terceira obra Cartilha do silêncio. Não caberia aqui fazer um trajeto de tudo o que li para que fizesse o meu recorte monográfico. Mas, li muitos teóricos a respeito do tempo na narrativa, inclusive alguns americanos e ingleses. Foi nessa época que também conheci, pelas letras, é claro, Virgínia Wolf, com seus fluxos de consciência e Marcel Proust, com seu Em busca do tempo perdido, basicamente, o volume 07 O tempo redescoberto. Vi-me envolvida num campo semântico muito amplo: nos sentidos do sujeito-personagem perdido num tempo caótico, atravessado por angústias do nosso tempo; tempo em que se mudam as estruturas, mas o homem não tem mais o seu lugar no tempo e no espaço.
Enfim, como podem perceber quem me lê, apaixonei-me pela literatura de tal modo que hoje, quando dou aulas no Ensino Médio de Literatura, é-me prazeroso absorver os sentidos outros que me aparecem nos sujeitos-alunos e nos textos que levo pra sala de aula.
Paralelo a isso, tenho olhos de coruja para com meu caçula, Yago, que se principia pelas letras e faz delas suas mais incríveis brincadeiras, ele ri enquanto lê, seus olhos brilham quando descobre os implícitos do ler, seu tempo corre enquanto lê que nem percebe que já está tarde e é hora de dormir... Conto histórias, de novo, de novo e de novo... E quantas vezes a mesma história...

Yago - filho da prof.ª Maria Rosalina. Lendo, concentrado...

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